
Foi ao sítio do costume, sentou-se à mesa do costume e na
cadeira do costume, aquela que tinha um coração cravado no tampo de madeira e
que lhe acendia uma veia de romântico inexistente para além daquele poiso. Quem
teria desenhado aquele coração? E com quê? Teria sido com a chave de casa? Do
carro? Do cacifo? Com uma caneta de bico metálico ou com a colher do café, ela
própria com um grão gravado na ponta? Porque o teria feito? Estaria com alguém
de quem gostava e quis-lhe demonstrar sentimentos duradouros naquela cadeira do café que testemunhava o encontro a dois? Ou teria sido alguém num bando de muitos
outros, cansado das mesmas conversas de sempre e entediado pela duração da
noite, na época sem wi-fi e sem nada melhor para fazer senão marcar a cadeira onde se sentava? Ele também estava cansado das
conversas, das pessoas, do sítio e do café com cheirinho que pedia todos os
dias. Todas as noites. Mas ao invés de cravar algo ele próprio, sentava-se
naquela cadeira e divagava sobre o coração de outro. Aquela constância que ele
sabia que ia estar sempre ali, à mesma hora. Mais ninguém se sentava
naquela cadeira porque estava um bocado torta, manca e lhe faltava o apoio dos
braços. E assim, imperfeita, esperava por ele todos os dias, vazia, cheia de
interrogações para lhe oferecer. Era a cadeira do homem.
No dia seguinte chegaram as novas. De plástico. Praticamente
invandalizáveis. Perfeitas. Mais bonitas e confortáveis. Sem história nem coração. Iguais a todas as outras.
Catarina Vilas Boas
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