Acreditar no amor



Pode não parecer mas eu acredito no amor. Como poderia não acreditar, quando amo e sou amada? Como poderia acreditar se morreria e mataria sem pensar duas vezes por outro alguém que não eu? Claro que acredito no amor. Não é para o amor que eu olho com cepticismo. O meu cinismo não se alimenta de amor, mas sim das pessoas que o encaram com leviandade. Para mim o amor é uma coisa séria. É e há-de ser. E por isso mesmo não invoco o seu nome em vão. 

Há pouco amor no mundo. Mais do que uma crise económica vivemos uma crise de valores e o amor, um dos valores mais altos, teria obrigatoriamente de escassear. A falta de amor vê-se nas opiniões dos que são contra o casamento homossexual, contra a adopção homoparental, contra o acolhimento dos refugiados... Vê-se aí - nessas opiniões suficientemente aceites para serem expressas, sem medo, em conversas de café ou nos murais do facebook - a falta atroz de amor. A falta de outras coisas também se vê, entre elas a vergonha na cara e dois dedos de testa. Mas principalmente a falta de amor.

Vê-se a falta de amor-próprio. Nas mulheres e nos homens que se rendem a comentários negativos, aos padrões da sociedade, a relações a meio gás. Vê-se a falta de amor na forma como tratamos os animais. Ou como tratamos a comida, esse substituto largamente utilizado por aqueles que não estão bem. Quem diz comida, diz álcool, tabaco, sexo, e tudo o mais que sirva para preencher o vazio que essa falta de amor deixa para trás.

Mas apesar desse buraco, visível, negro, fúnebre, de meter dó, eu acredito no amor. Eu acredito em pessoas que se completam nas faltas de cada um, como peças de um puzzle. Eu acredito que estar sozinho, apesar de benéfico, pode aleijar a longo prazo. Eu acredito nisso tudo.

Mas eu acredito no amor a sério. Não acredito no amor a fingir. Amor a fingir há muito por aí, ao virar de cada esquina. Amor a fingir nasce como cogumelos na falta de amor-próprio, do medo de ficar sozinho, do receio das pessoas que perguntam se "já namoras?" e, calhando a resposta de ser negativa, finalizam com um "já está na altura...". Com reticências. Sempre com reticências. Como se fosse deles a escolha de nos colocar reticências na vida ou de lhe definir um "já" de prazo de validade.

O amor é importante de mais para ser fingido. E é raro de mais para ser encontrado muitas vezes na vida. Quem diz "amo-te" facilmente não é de confiar. Com sorte, somos amados pelos nossos pais. E quando somos amados verdadeiramente pelos nossos pais, raras são as vezes em que não os amamos de volta. O amor dos nossos pais é o adubo para o amor-próprio, um bocado maltratado na puberdade, mas capaz de sobreviver para contar a história de uma vida adulta. E o amor-próprio é a base de tudo, somente ele permite o amor a sério.

O amor não é passeios de mão dada, pôr-do-sol na praia e domingos no shopping. Não! O amor não são relações que duram 3 meses, nem sequer 3 anos. Não! O amor não são viagens e fotos no instagram, ou dedicatórias escritas a mel. Não são pulseiras pandora ou rosas de jardim.

O amor é crescimento e evolução. É alguém que nos faz querer ser melhor e abandonar o que nos faz mal desde o dia em que nascemos. Os defeitos que nos são inerentes e aqueles que nos foram impostos por outros: a arrogância, a teimosia, o orgulho, a desconfiança, o medo. Amor é baixar a guarda. Contar segredos que nunca se contaram, chorar em frente a alguém, perdoar o imperdoável. O amor é mútuo. E fiel. Tem que ser. Porque amor não é meramente sexo ou atracção física. Nem isso é capaz de o abalar quando são meras aflições humanas. O amor é mais. Vê-se mais. Faz mais. Por cada um.

O amor merece respeito. Mais do que isso, merece tempo. Para nascer, para crescer, para sobreviver. O amor merece de nós muito mais do que palavras.

Claro que acredito no amor. Não é para o amor que eu olho com cepticismo. O meu cinismo não se alimenta de amor, mas sim das pessoas que o encaram com leviandade. Para mim o amor é uma coisa séria. É e há-de ser. E por isso mesmo não invoco o seu nome em vão. 

Catarina Vilas Boas

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