Eu não quero chegar a velha

Não quero porque, da maneira que eu sou, ninguém vai estar para me aturar e se não forem os amigos e familiares, ninguém ampara os idosos neste país.

Os Bombeiros e as Juntas de Freguesia fazem o que podem. Falo porque já vi. Já vi senhoras e senhores a serem levados ao hospital em macas, ou a cambalear, porque a idade pesa e não se conseguem deslocar sozinhos nem sequer para receberem os cuidados médicos que a débil saúde impõe. Falo porque vou tendo conhecimento de iniciativas de Juntas que comparticipam o pagamento de medicamentos, parcial ou totalmente, que levam refeições solidárias a casa, que organizam convívios, que deslocam os idosos aos correios, à farmácia, ao supermercado, muitas vezes a largos quilómetros do local onde vivem. E se está mau no litoral, pior no interior, esse pedaço do país que é continuamente relevado para 2º plano, desertificado à custa de medidas económicas que fazem contas a pessoas como se estas fossem números.

Eu não quero chegar a velha porque o meu país não quer que eu chegue a velha. Chegar a velho implica custos, custos que os velhos de agora pagaram enquanto novos mas dos quais se esqueceram de pedir factura e que caem agora no esquecimento. Os anos de uma vida de sacrifício e de trabalho não contam para os cofres portugueses. Os velhos são um empecilho e nem a sabedoria adquirida à custa de rugas, próteses e cabelos brancos lhes dá credibilidade para serem tratados como gente.

Eu não quero chegar a velha porque os direitos que edificaram a Constituição do país onde vivo não são respeitados. Porque não existe Estado Social. Porque os bens essenciais não são assegurados. Nem água, nem electricidade, nem serviços, nem alimento, nem um tecto sobre a cabeça. Nem calor humano, nem qualidade de vida.

Eu não quero chegar a velha porque mais vale morrer que viver na penúria de um dia-a-dia que os meus governantes me querem tirar, a todo o custo, porque o meu envelhecimento não será nada mais que uma percentagem de uma taxa que não convém mostrar ao mundo.

Eu não quero chegar a velha. Porque este país, que não é para novos, também não é para velhos. Este país não é para ninguém. 

Catarina Vilas Boas

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